Infectologistas discordam de uso de vermífugo em tratamento contra covid-19

Adoção de "kit covid" foi proposta por médicos na Capital e infectologistas alertam que uso é prematuro e potencialmente perigoso

| SILVIA FRIAS / CAMPO GRANDE NEWS


Vermífugo usado também contra sarnas e piolhos está no kit covid proposto em Campo Grande (Foto/Paulo Francis)

O tratamento preventivo contra novo coronavírus (covid-19) proposto por grupo de médicos da Capital é considerado precipitado e preocupante por infectologistas consultados pelo Campo Grande News. No “kit covid-19', constam hidroxicloroquina, azitromicina e, agora, a ivermectina, vermífugo usado contra piolhos e sarnas e que sumiu das prateleiras das farmácias da cidade.

O uso dos medicamentos como tratamento preventivo para contactantes (pessoas que tiveram contato com contaminados) ou para infectados assintomáticos é defendido por cerca de 250 médicos de Campo Grande. Em reunião com prefeito Marquinhos Trad (PSD) ficou acordada a entrega de documento em que será detalhado o protocolo que poderá ser adotado na cidade, com uso de três medicamentos.

Os medicamentos incluídos são Hidroxicloroquina 400mg  ou Cloroquina 250mg, Azitromicina 500mg ou Claritromicina 500mg e ainda a Ivermectina 6mg.

O médico nutrólogo e toxicologista Sandro Benites é um dos defensores do uso do kit e disse que já prescreve a ivermectina há cerca de três meses como preventivo ou combinado com outros medicamentos, no tratamento de pessoas que apresentam sintomas leves e compatíveis com a covid-19.

Benites iniciou o tratamento após conhecer resultado de testes em grupo de cerca de 600 médicos de associação em Belém do Pará (PA) e em Porto Feliz (SP) em que o vermífugo foi usado como preventivo e, nos casos de sintomas, associado à hidroxicloroquina ou claritromicina, sendo dosado por prescrição.

Infectologistas consultados pela reportagem se posicionaram contra o uso dos medicamentos.

 “Ivermetcinta é muito bom para matar verme, piolho e chato, não tem comprovação cientifica', disse o médico Rivaldo Venâncio, coordenador de Vigilância  em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz (Fundação Osvaldo Cruz). Venâncio diz que, como infectologista, acompanha o preconizado pela Sociedade Brasileira de Infectologia e pela OMS (Organização Mundial de Saúde).

O infectologista Bruno Fillardi, disse não concordar com uso do vermífugo ou qualquer outro medicamento como preventivo da covid-19 por não haver qualquer evidência científica que ateste eficácia. Fillardi não quis se alongar no assunto, dizendo que prefere não entrar na polêmica.

Também com base na falta de evidência científica, o tratamento é considerado precipitado pelo infectologista Hilton Luís Alves Filho, que rebate o argumento de que o uso de ivermectina, caso não seja eficaz contra o novo coronavírus, não seria prejudicial ao organismo, por não haver histórico de intoxicação por superdosagem.

“A ivermectina é droga segura, que se usa em dose única, no máximo, 15 dias, duas vezes ano, dependendo da doença, mas não é pílula de farinha, não tem estudo de uso contínuo, por meses, não se tem essa segurança', avaliou o médico.

Alves citou estudo feito pela Universidade Monash, em Melbourne, na Austália, em que células foram infectadas com o SARS-Cov-2. Depois, adicionaram o vermífugo e compararam com aquelas que não receberam a ivermectina e identificaram a redução da replicação viral nos que receberam o medicamento. Porém, isso ainda está na fase laboratorial e não podem ser tomados como definitivos sem testagem humana.

O resultado também foi obtido com dosagem pelo menos 16 vezes acima da prescrita aos humanos e por isso, segundo o infectologista, não se sabe os efeitos a médio e longo prazo no organismo.

Neste estudo, os pesquisadores australianos enfatizaram que a ivermectina havia apresentado resultados semelhantes na fase laboratorial contra HIV, dengue, influenza, e zika vírus, mas não se mostrou eficaz na prática clínica.

Em notas técnicas, as sociedades brasileiras de Infectologia e de Pneumologia e Tisiologia fizeram alerta sobre prescrição ou uso pela população de qualquer medicamento prometido como tratamento ou preventivo contra covid.

“Não existem evidências científicas de que quaisquer das medicações disponíveis no Brasil, tais como ivermectina, cloroquina ou hidroxicloroquina, isoladas ou associadamente, colaborem para melhor evolução clínica dos casos', diz uma das notas.



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